Uma lição....
Sempre pensei que se um dia tivesse um filho rapaz, iria tentar convencê-lo a jogar hóquei em patins.
Não sendo um desporto muito conhecido é um desporto que exige destreza, óptimas condições fisícas, inteligência, movimento, coordenação, etc...
Eu estaria nas bancadas a torcer por ele e a ajudar a carregar os equipamentos.
Claro que quando o André nasceu, esse e outros sonhos foram para outros lados e vieram novos sonhos...
Começei a dar valor a coisas mais importantes, como andar, falar, pensar....
Nunca mais me lembrei do hóquei, porque um dos requesitos minimos para o hóquei era andar de patins, coisa que para o André estava a anos luz.
O André tem, como é característico na T21 uma hipotonia muscular o que faz com que nele, a coordenação e força dos musculos dele seja inferior. É por isso que normalmente estes meninos andam mais tarde, normalmente por volta dos 3, 4 anos.
Felizmente ele começou a andar aos dois anos.
Uma vez, com seis anos experimentei pô-lo em cima dos patins em linha da irmã e claro que ele nem conseguia equilibrar-se. O corpo dele ficava mole, as pernas iam para a frente e se o largasse lá ficava ele no chão. O corpo dele parecia gelatina nas minhas mãos.
Deixámos os patins e continuamos na bicicleta com rodinhas que ele adora andar.
A irmã, entrou este ano na patinagem artistica. Apesar de ser um bocadinho medrosa (é mesmo menina) lá vai andando e descobrimos que se formos lá ao fds eles deixam os miúdos experimentar.
Claro que o Bruno ficou todo entusiasmado. Ele que é todo radical, começou logo a experimentar os patins.
O André ficou sentado comigo e com o kiko na bancada.
- O André vai andar - Disse ele umas 30 vezes
- Patinagem - Disse ele mais outras 30 vezes
Nessas alturas eu sentia um baque no coração. Como explicar ao meu filho que ele não conseguia?
Levá-lo e vê-lo ali triste a querer participar... os olhos dele brilhavam a olhar para os outros miudos....
É nestas alturas que a revolta se apodera de nós, quando sabemos o que eles querem e queremos dar-lhes tudo....
Quando voltamos lá a 2ª-vez, eu estava decidida.
Se o André queria andar de patins, só havia uma solução.
O André ia andar de patins.
Falei com o treinador e pedi-lhe para o deixar experimentar. Eu ia andar com ele no ringue.
Ele concordou.
A felicidade do meu filho quando percebeu que ia entrar no ringue e calçar os patins é indescrítivel.
Claro que fui eu que segurou sempre o seu corpo. Claro que a cada dois passos ele dava uma queda porque ainda por cima ele queria patinar a alta velocidade.
Mas o André caia e lavantava-se. Uma, duas, dez, vinte, cinquenta vezes.
A terceira vez foi este fim-de-semana.
No sábado lá fomos todos.
A minha mãe foi ver.
Deu uns quantos gritos da bancada ao ver o neto cair e ao fim de 5 minutos foi-se embora.
Os meus pais adoram o neto e não conseguem ver o menino magoar-se.
Quando lá fomos almoçar, disse-me:
- Que tipo de mãe és tu, que metes o teu filho nunca coisa que ele não consegue fazer estanto sujeito o menino a cair e magoar-se? Pode partir uma perna ou a cabeça? Não tens amor ao teu filho?
Sei que a minha mãe me adora a mim e ao André e que só o que proteger.
Mas não consigo pensar como ela
Respondi-lhe do fundo do meu coração:
- Não sei se o meu filho algum dia vai conseguir andar. Sei que ele sonha que pode andar. Sei que ele deseja andar e sei que ele está feliz. É a minha obrigação como mãe, estar ao lado dele nos sonhos dele. O meu objectivo ao lado dele é ajudá-lo a ser feliz e não o impedir de realizar aquilo que ele mais quer. Se ele tiver de andar, comigo ao lado dele e isso o fizer feliz, assim será.
A minha mãe calou-se.
Percebeu.
Sei que ela não aguenta ver o neto cair.
Mas eu não aguento ver o desejo nos olhos dele.
O Kiko sugeriu comprarmos-lhe uns patins. Porque no ring são emprestados e todos os dias são diferentes.
À tarde fomos comprar-lhe os patins.
Ele estava tão feliz!!!
E ele já tinha um objectivo.
Dizia-me:
- O André vai andar de patins.... sózinho!
E reforçava a ultima palavra.
Está bem filho, vamos trabalhar para isso.
No Domingo de manhã, lá fomos de novo.
Com os patins novos o André continuou a dar-me instruções:
- Vai embora
- O André anda sózinho.
De onde lhe nasce esta garra?
Ao fim de umas voltas, levei-o para o meio do ringue.
Soltei-o com um aperto no coração.
Vai Andre, vai até à barra.
Ele foi, caiu, levantou-se, caiu....
Não desistiu.
Chegou à barra.
Tentamos mais uma dezena de vezes.
Ia melhorando...
Deixei-o a descansar e foi ensinar a Catarina a cruzar os pés nas curvas.
O André impaciente, viu o Bruno passar por ele a patinar e não foi de meias medidas.
Lá foi ele....
Caiu, levantou-se... um série de vezes... e depois...
Depois deixou de cair. Conseguiu atravessar a parte mais curta do ringue.
Sózinho.
Tal como ele disse.
E as poucas pessoas que assistiam, festejaram.
Filho... deste-me mais uma grande lição.
Desculpa algum dia ter duvidado. Isto só prova aquela grande frase:
"Sempre que um homem sonha é porque é possível alcançar esse sonho".
Tu acreditaste sempre que conseguias.
E vais conseguir, porque essa garra não te deixa!
O treinador veio falar conosco e disse que ele equilibrava-se melhor que muitos miudos que andavam ali há mais tempo. Imaginem o meu orgulho!!!!
E depois acrescentou:
- Daqui a uns tempos, assim que ele andar mais depressa, e se aguentar melhor vou por-lhe um stick de hóquei nas mãos e voçês vão ver a alegria dele.
Hóquei?
O meu velho sonho, mais que adormecido voltou.
Tu conseguires dar uns passos em cima de uns patins, dá-me muito mais alegria do que algum dia teria, se fosses um menino normal, igual a tantos meninos a jogar hóquei.
Realizares a tua vontade faz-me mil vezes mais feliz.
Filho, se algum dia chegares a patinar com um taco e se isso te fizer feliz, muito bem.
Se não chegares lá, mas eu vir os teus olhos a brilhar sempre que conseguires dar uns passos sem cair... isso enche-me de orgulho.
Obrigada, por me lembrares mais uma vez, que nunca devemos desistir de sonhar.
Adoro-te!!!
6 Comentários:
Olá!
Tenho lágrimas nos olhos de ler esta história.
O meu filho anda a aprender patins, no hóquei, mas as suas conquistas nada são perto da determinação do teu Guerreiro!
Realmente temos de acreditar sempre e eles dão-nos grandes lições, não é?
Bjs grandes e parabéns pelas conquistas do teu menino/
Imaginas a felicidade que compartilho ao ler esta história LINDA ? Não deve ser nada comparada com a tua...mas é verdade que sim, deu-te uma grande lição !!! E realmente a Super-protecção não é lá muito amiga do desenvolvimento !!! Amiga Guerreira ! Adoro-vos, nos bons e nos menos bons momentos e hoje estou aqui para pular de alegria contigo. Um beijo
Apesar de responder-te uma vez, não resisto esta magnifica experiência!
Fiquei emocionada, o bastante para que libertasse as minhas lágrimas, literalmente uma lição de vida!
Aqui deixo-te milhares de beijinhos e uma citação bastante sentida:
“O Homem não foi feito para a derrota. O Homem pode ser destruído, não pode ser Vencido.”
Ernest Hemingway
Estou encantada!
olá! embora já várias vezes tenhas visitado o vida com pedro, é a primeira vez que venho aqui. gostei muito deste post. vou-lhe fazer referência no blog do pedro. obrigado por partilhares estes sentimentos e dilemas interiores.
Adorei este depoimento de determinação e coragem. Muitas felicidades e continuação de bons progressos. Um abraço.
Lindo!!!
Também tenho um filho especial. Faz um mês que perdi a minha mana do coração. Ela que me ensinava grandes lições, me apoiava e amava o meu menino como uma segunda mãe. Uma das grandes verdades que me ensinou foi esta: "Pode mais quem quer, do que quem pode".
Beijinhos para o campeão.
Mónica
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